As elaborações tanto em Freud quanto em Lacan nos levam a compreender    como a inscrição do feminino resta problemática. A sexualidade    descoberta por Freud foi mal acolhida na cultura e acaba sendo acusada    de pansexualismo. Curiosamente, um pansexualismo onde o outro sexo não    se encontra em lugar algum.
No inconsciente decifrado por ele,   Freud descobre  que o outro sexo  não existe, não há pulsão genital no   inconsciente. As pulsões  nada  dizem sobre o macho ou fêmea, pois se    encontram tanto no menino  quanto na menina e a  questão sobre o quê   distingue a  essência da  mulher permanece misteriosa. Freud se ocupara   obstinadamente  elaborando uma explicação sobre a heterossexualidade.
Falar   em feminilidade é falar de uma conquista realizada pela menina,  de um   tornar-se mulher, visto que ela, menina, não nasce como tal. É  preciso   percorrer um caminho para que possa escolher ou não o caminho  da   feminilidade. Freud credita à mulher uma natureza pulsional passiva  que   encontraria na maternidade a melhor solução para a inveja do  pênis.
Após   a introdução da primazia do falo em 1923, Freud consegue marcar  uma   diferença entre o complexo de Édipo masculino e o feminino. A  introdução   da fase fálica levou-o a estabelecer um período pré-edípico  para o   Édipo feminino, além de três saídas para a menina frente à  castração: a   masculinidade (manter-se fálica), a neurose (o abandono  da sexualidade)  e  a feminilidade propriamente dita (desejar o falo em  forma de bebês) .   Estes apontamentos servem para demonstrar que, mesmo  Freud não tendo   utilizado o termo 'falo' explicitamente, a referência  fálica está lá   inscrita. Lacan (1958) relembra que, na obra de  Freud, qualquer que   tenha sido o remanejamento teórico, a prevalência  desse centro fálico   jamais foi abandonada.
Mas, isso também nos leva a perceber que mesmo para Freud nem todas as mulheres são mulheres.
Mas, o que é a mulher?
Essa questão coloca, para a clínica psicanalítica, a feminilidade como um tema da maior importância.
Os   fundamentos sobre a sexualidade, a construção do conceito do  complexo   de Édipo eas sucessivas aproximações de Freud a respeito da   feminilidade  levam Lacan a retomar a questão no seminário 20 – Mais   Ainda. Enquanto  pela via exclusiva de Freud, a questão dos sexos pode   se fechar na  anatomia como destino, em Lacan, ser homem ou ser mulher é   uma distinção  frente à castração e à modalidade de gozo.
Mas porque Lacan diz que a mulher não existe?
Esta   afirmativa é sem dúvida uma das mais enigmáticas do ensino de  Lacan.   Esta frase só adquire seu significado dentro das premissas das  formulas   quânticas da sexuação. Os membros do conjunto mulher  satisfazem à   proposição de não existir ao menos uma mulher que não  esteja submetida à   castração. Por isto, Lacan diz que não há conjunto  possível das   mulheres e que elas devem ser sempre contadas uma a uma.
Sendo o   conjunto universal fundado por uma exceção e não havendo  exceção do lado   feminino, é impossível, para o feminino, formar o  universal do ponto  de  vista da função fálica. Por esta razão, a  expressão 'A Mulher' com o   artigo definido feminino para designar o  conjunto universal d'A Mulher  é  inadmissível.
Falar da mulher, no campo freudo-lacaniano, não é referir-se ao masculino ou ao feminino como gênero,    mas é apontar uma posição psíquica em que a castração ocupa um lugar    importante. Esta posição psíquica marcada pela castração pode ser    escutada pelo analista, médico, amante, etc, a partir de um discurso    marcado por um mal-estar e, ao mesmo tempo, convocando aquele que o    escuta a doar a palavra, o dinheiro, etc, que lhe falta. Dizer da    posição psíquica feminina, em termos psicanalíticos, implica abordar a    questão da sexuação pelo viés da linguagem e do gozo. Desta forma,    entendemos que uma posição subjetiva feminina diz respeito a estar não    toda submetida à égide do falo. Esta maneira difere dos conceitos, ou    das representações sobre a feminilidade que, por sua vez, correspondem a    uma “invenção” cultural, produções discursivas ou imaginárias que    tentam dar contorno a este vazio próprio e estrutural da posição    feminina, assumindo diferentes roupagens ao longo do tempo e produzindo    possíveis deslocamentos e enodamentos.
                         (©by Adilson S. Silva)
 
