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terça-feira, 24 de maio de 2011

Sexualidade feminina e suas dificuldades

As elaborações tanto em Freud quanto em Lacan nos levam a compreender como a inscrição do feminino resta problemática. A sexualidade descoberta por Freud foi mal acolhida na cultura e acaba sendo acusada de pansexualismo. Curiosamente, um pansexualismo onde o outro sexo não se encontra em lugar algum.
No inconsciente decifrado por ele, Freud descobre  que o outro sexo não existe, não há pulsão genital no inconsciente. As pulsões  nada dizem sobre o macho ou fêmea, pois se  encontram tanto no menino quanto na menina e a  questão sobre o quê distingue a  essência da mulher permanece misteriosa. Freud se ocupara obstinadamente elaborando uma explicação sobre a heterossexualidade.
Falar em feminilidade é falar de uma conquista realizada pela menina, de um tornar-se mulher, visto que ela, menina, não nasce como tal. É preciso percorrer um caminho para que possa escolher ou não o caminho da feminilidade. Freud credita à mulher uma natureza pulsional passiva que encontraria na maternidade a melhor solução para a inveja do pênis.
Após a introdução da primazia do falo em 1923, Freud consegue marcar uma diferença entre o complexo de Édipo masculino e o feminino. A introdução da fase fálica levou-o a estabelecer um período pré-edípico para o Édipo feminino, além de três saídas para a menina frente à castração: a masculinidade (manter-se fálica), a neurose (o abandono da sexualidade) e a feminilidade propriamente dita (desejar o falo em forma de bebês) . Estes apontamentos servem para demonstrar que, mesmo Freud não tendo utilizado o termo 'falo' explicitamente, a referência fálica está lá inscrita. Lacan (1958) relembra que, na obra de Freud, qualquer que tenha sido o remanejamento teórico, a prevalência desse centro fálico jamais foi abandonada.
Mas, isso também nos leva a perceber que mesmo para Freud nem todas as mulheres são mulheres.
Mas, o que é a mulher?
Essa questão coloca, para a clínica psicanalítica, a feminilidade como um tema da maior importância.
Os fundamentos sobre a sexualidade, a construção do conceito do complexo de Édipo eas sucessivas aproximações de Freud a respeito da feminilidade levam Lacan a retomar a questão no seminário 20 – Mais Ainda. Enquanto pela via exclusiva de Freud, a questão dos sexos pode se fechar na anatomia como destino, em Lacan, ser homem ou ser mulher é uma distinção frente à castração e à modalidade de gozo.
Mas porque Lacan diz que a mulher não existe?
Esta afirmativa é sem dúvida uma das mais enigmáticas do ensino de Lacan. Esta frase só adquire seu significado dentro das premissas das formulas quânticas da sexuação. Os membros do conjunto mulher satisfazem à proposição de não existir ao menos uma mulher que não esteja submetida à castração. Por isto, Lacan diz que não há conjunto possível das mulheres e que elas devem ser sempre contadas uma a uma.
Sendo o conjunto universal fundado por uma exceção e não havendo exceção do lado feminino, é impossível, para o feminino, formar o universal do ponto de vista da função fálica. Por esta razão, a expressão 'A Mulher' com o artigo definido feminino para designar o conjunto universal d'A Mulher é inadmissível.
Falar da mulher, no campo freudo-lacaniano, não é referir-se ao masculino ou ao feminino como gênero, mas é apontar uma posição psíquica em que a castração ocupa um lugar importante. Esta posição psíquica marcada pela castração pode ser escutada pelo analista, médico, amante, etc, a partir de um discurso marcado por um mal-estar e, ao mesmo tempo, convocando aquele que o escuta a doar a palavra, o dinheiro, etc, que lhe falta. Dizer da posição psíquica feminina, em termos psicanalíticos, implica abordar a questão da sexuação pelo viés da linguagem e do gozo. Desta forma, entendemos que uma posição subjetiva feminina diz respeito a estar não toda submetida à égide do falo. Esta maneira difere dos conceitos, ou das representações sobre a feminilidade que, por sua vez, correspondem a uma “invenção” cultural, produções discursivas ou imaginárias que tentam dar contorno a este vazio próprio e estrutural da posição feminina, assumindo diferentes roupagens ao longo do tempo e produzindo possíveis deslocamentos e enodamentos.

                         (©by Adilson S. Silva)

2 comentários:

  1. Adilson, um dia talvez tenhamos como dizer que segmentariedade, dicotomia, homem-mulher, foge do ser humano; históricas, e variando no tempo, vemos que ambos necessitam de um devir mulher: ternura, sensualidade, maternagem...
    A castração é um produto histórico, também, penso... Assim, pergunto: como seriam nossas singularidades fora do universo da castração?
    Ótimo texto: refletir, percutir a vida e reinventá-la numa nova suavidade.
    Abraços com carinho, Jorge bichuetti

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  2. Se:
    'É preciso percorrer um caminho para que possa escolher ou não o caminho da feminilidade.'

    E se temos em conta o que diz Lacan: 'não há conjunto possível das mulheres e que elas devem ser sempre contadas uma a uma.' Me encanta isso...

    Então cada mulher faz seu caminho, e se converte em única.
    Bom, gostei do artigo; talvez como o Jorge diz, tenhamos que superar a dualidade, e não só de gênero, talvez devamos assumir que somos todos UM só. Abraços, Concha

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